Do lado de dentro

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No trânsito, toda família é feliz. Feliz e unida. Mãe e pai dando as mãos a crianças, que por sua vez estão ligadas a cachorros, gatos, pássaros e peixes. Todos sorridentes. Isto é, até você bater na traseira onde reside essa família feliz, pois a pessoa que descerá do carro em nada remeterá àquela figura-palito sorridente que estampa o veículo.
As famílias felizes do trânsito são descendentes dos comerciais de margarina, onde todos são felizes e ninguém toma o café-da-manhã correndo, atrasado para a escola e/ou trabalho. E eu não acredito em comerciais de margarina. Nas famílias reais existem brigas, gritos, choro, abraços, e o gato come o pássaro e o peixe.
A sociedade exige que pareçamos felizes aos olhos do mundo. Embora saibamos que de perto ninguém é normal, os problemas não podem cruzar a soleira da porta – muito menos estampar o parachoque do veículo familiar. Porque se você tem o veículo, não deveria reclamar de mais nada, basta olhar o ônibus lotado ao seu lado. E se você não tem o veículo, deveria estar extremamente contente de ter o dinheiro da condução. E se você não tem a condução, veja bem, você está vivo, e deve dar graças à isso.
Desejar um carro mais potente, um helicóptero ou um avião são perfeitamente aceitáveis, mas em particular. Essa paradoxal sociedade na qual você deve batalhar diariamente por algo melhor, embora tenha que estar feliz com o que já possui e nunca, jamais se gabar por isso, é a mesma sociedade que proíbe que a mãe tenha sentimentos negativos a partir do momento da geração de uma criança – justamente no momento em que ela está tão, mas tão cheia de sentimentos de toda sorte.
Mudanças de humor, variações na libido e até o baby blues, são perfeitamente explicáveis pela gangorra hormonal do momento, mas isso não significa que todo sentimento de tristeza ou solidão seja culpa do estrogênio e da ocitocina. O parto, por exemplo, é um dos momentos mais solitários pelos quais uma mulher irá passar, uma vez que ninguém pode fazê-lo por ela (seja barriga ou vagina abertas, ainda é ela quem está lá.)
Por isso, esse momento deve ser respeitado como um momento da mulher. Apesar da semelhança temporal e cultural, o nascimento da criança é diferente do parto. Uma mulher que passa por um parto traumático – seja ele um parto frank ou uma cesárea inesperada, ou simplesmente um plano que tenha saído do controle  - está repleta de sentimentos conflitantes e inundada de culpa. Essa mulher deve ser respeitada, cuidada e acima de tudo, compreendida, e não julgada. Nunca criticada.
Quem sabe um dia essa mulher consiga fazer jus à boneca-palito no parachoque. Ou quem sabe ela simplesmente não queira. Quanto à mim, vê a minha com olheiras, uma barriguinha nao chapada, mas muito amor pelos dois bonequinhos ao lado. Mas nem sempre sorrindo, por favor.




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